quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Diário de bordo #10 - 16-01-2017 Colagens e loucos da noite



Escrevo já perto do fim. Na hora que este texto toma a sua forma, falta somente uma aula para terminar esta minha aventura de um ano no projecto “Incluir”. Não sei até quando continuarei estas incursões pelos diários de bordo dentro da caverna, e afirmo com certeza  que os próximos serão diametralmente diferentes por nascerem numa fase posterior ao fim. O que serão, não sei.
Para já, este é uma colagem. De uma série de eventos, adjacentes à hora de relógio em que ocorreram, adjacentes ao prazer de os ter tido.

  • 08:52 - Entro no café, com a minha mãe. É ela que me dá boleia de casa, da aldeia, até à cidade, ao convento. A viagem foi desprovida de diálogo. No dia anterior, houve uma discussão que fomentou o tão conhecido “tratamento silencioso da progenitora”. Dela, apenas o som de três palavras, já dentro do café,  “é o habitual” adornadas de uma interrogação “?”. A minha voz,  exteriorizou somente um “sim” seguidas de reticências (“...”) silenciosas.
  • 09:35 - Chego atrasado. Os alunos esperam-me no corredor do convento. Está frio, a maioria está agasalhado. O Fernando, enérgico como habitualmente, percorre o corredor de um lado ao outro. Cumprimento-os uma a um, com um aperto de mão. Até às minhas alunas o faço. O que para mim é estranho, pois normalmente, quando são mulheres portuguesas de sangue quente, tomo-as por dois beijos no rosto. Já as nórdicas, pelo menos nos primeiros contatos, não o fazem. Trata-se de um factor cultural, penso eu Mas não se impondo esse fator cultural no que toca à  condição de mulheres portuguesas, latinas, das minhas alunas, o que impede, então, essa maior proximidade? Será uma mera formalidade que inconscientemente impus a mim próprio? Ou um mero despejo de uma luta interior entre a emoção e arazão?
  • 10:47 - Dois dos alunos chegam atrasados do intervalo, supostamente de 10 minutos. Já é uma prática a que ambos recorrem frequentemente. A enfermeira dá-lhe um raspanete. Um dos dois, o André, conta-me depois que nos tempos em que estudava História, na faculdade, saía com vontade de entrar no desconhecido da noite, com vontade em se mostrar aos loucos que a habitavam, de tentar perceber se esse era realmente um universo alternativo, onde quem nele mergulhasse se transfigurava. Imaginei o André, durante os minutos de  intervalo que teve a mais, a percorrer essa construção mental, a mesma que eu próprio muitas vezes ansiei, e ainda frequentemente anseio, conseguir percorrer. E não evito o sorriso escondido no canto da minha boca, de quem entende o quão bom é adiar ou mesmo descartar um compromisso.
  • 12:09 - Chego à paragem de autocarros, tenho 6 minutos para comprar o bilhete para Lisboa. Tenho a sorte de na fila nunca estarem mais de duas pessoa. A senhora por detrás da vitrine, a vender os bilhetes, é a mesma de sempre. Raramente me dá os bons dias, e raramente me olha nos olhos. Muitas vezes fala com uma outra senhora que se encontra por detrás de outra vitrine, enquanto procura no programa informático da rede de autocarros pelo autocarro ao meio dia e um quarto que vá para o Campo Grande. e cujo bilhete me passa e vende. Assim que o compro, dirijo-me para  ao expresso. Não consigo mais uma vez evitar um esgar num dos cantos da minha boca, um esgar de saudade, por saber que eventualmente este pedaço da minha rotina vai cessar, deixarei de ver e cumrimentar a senhra que me vende bilhetes de todas as vezes que vou para lisboa, ainda que ela raramente me dirija o olhar ou sequer fale para mim.  
  • 12:43 - Na auto estrada, paro de ler, o sono arranha, e nem os três cafés que bebi nessa manhã o acalmam, nem tão pouco fazem esquecer a lembrança da existência da  minha veia notívaga, a mesma que me impediu de adormecer na noite anterior antes das três da manhã. Às vezes é um raio de uma mania de merda, esta de sonhar acordado, a de ter saudades das pequenas coisas. No fundo são elas que nos tiram o sono...

domingo, 22 de outubro de 2017

Diário de bordo #9 - 12-01-2017 Almoço e Barceló


- Professor, isto afinal acaba quando? As aulas, quando acabam?
- Já não falta muito, é no final do próximo mês.
- Já! ... então e depois o que vamos nós fazer? Já não vão haver mais aulas de pintura?
- Não sei... à partida não, este projecto é só de um ano... mas, talvez haja possibilidade de continuar, se houver fundos. Eles lá no Hospital estão a tentar.
- Mas o professor vai continuar também? Se houver vai continuar?
- Provavelmente não... não sei... por um lado gostava, claro, mas há outras coisas que queria fazer.
- Ser psicólogo? Vai acabar o curso de psicologia?
- Não, não, eu não quero nem devo ser psicólogo, sou artista. Mas o curso devo acabar sim.
- Mas então se o professor se vai embora, devíamos fazer um almoço todos.
- Claro. Claro que sim, acho uma óptima ideia juntarmo-nos todos para um almoço.
- E se não houver mais aulas depois, o que vamos fazer?
- Não sei... mas claro que não devem parar, podem sempre continuar em casa.
- Em casa não gosto. Aqui é melhor, nas aulas. Mas então que coisas quer o professor fazer?
- Que coisas? Não sei...
Ou porventura até saberei, mas não as posso dizer. Por medo de as não conseguir realizar, porque se as disser em voz alta, elas saltam do esconderijo que é o meu pensamento, o  meu sonho, materializam-se em palavras que mais não podem ser apagadas. As palavras despem o manto de invisibilidade dos nossos desejos. Desmascaram-nos, e como todos os vêem, deixam de ser especiais.
Mas há um livro que folheio muitas vezes, foi-me ofertado por um velho amigo, que guardo no tal sitio de onde as palavras se predispõem a atacar. Esse livro, uma espécie de catalogo fotográfico da cronologia existencial de um artista, Miquel Barceló, mostra como ele deambulou de atelier em atelier, de pais em pais, pintando livremente tudo aquilo que absorvia com uma força tal que as fotografias parecem explodir de emoção. As cores deixam de ser cor e tornam-se quase existências tridimensionais. Pinturas e desenhos que lutam para ganhar vida e pernas.
Para além de pincéis e telas, o artista viaja com e nas malas carregadas de livros de Hemingway, Cormac McCarthy, Virginia Wolf, usados e gastos, tal qual eu gosto verdadeiramente de os ver.
Folheio este livro nos momentos. Nunca o vi de uma ponta a outra. É sempre na intermitência de pensar, na tal alternância que o nosso pensamento e a nossa consciência nos obriga a adquirir a fim de esclarecermos em actos a nossa frágil existência, a nossa frágil instabilidade que nos obriga a repensar os actos, mas sobretudo as vontades, que suplantando o medo, se transfiguram em sonhos.
E é isto. Mais dizer que isto é transfigurar a invisibilidade numa nudez demasiado gratuita.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Diário de bordo #8 - 09-01-2017 Toque de Midas

Em resposta a uma observação de um anónimo, adjacente à aula do dia 9.
Pergunto-me se o ouro que surge do toque do Rei Midas é de igual valor ao restante.
Uma pintura. Se soubermos que uma outra mão, que não a do artista, lhe tocou, seremos capazes de definir, com certeza, a autoria da mesma, a uma só pessoa?
É evidente que eu toco em alguns dos quadros dos meus alunos, lhes dou uns "retoques", como uma das senhoras mais velhas do grupo baptizou esse meu gesto, continuamente repetido.
Ora por eles me pedirem auxilio, ora por deliberada e autonomamente o decido fazer, procedo com o gesto.
Não querendo de todo auto-intitular-me de Midas, a metáfora serve outro mote, é-me, todavia, impossível distanciar da ideia de que estou a contaminar as obras dos alunos.
Interrogo-me, será isso tão importante? Será esse meu toque tão putrefacto ao ponto de interferir na leitura da obra como sendo da autoria do aluno?
Recapitulemos uma ideia antes assente, nos primórdios do aparecimento destas oficinas de Arte, com uma questão, subdividida em duas.
Afinal, o objectivo deste projecto é, no seu sentido mais nuclear e profundo, o de formar artistas plásticos, ou o de proporcionar a estas pessoas pequenos e segmentados laivos de felicidade? O que pesa mais, os segundos parcos que o meu toque efectivou na tela, ou toda a superação psicológica que pessoas, muitas delas com uma latente dificuldade em se exprimir quer verbalmente ou por escrito, o conseguirem fazer, a vitória que é conseguirem precisamente exprimir-se, armados de tintas e pincéis?
Parece-me que ambas são questões de resposta evidente.
O meu papel não é o de transformar nenhuma das pinturas em ouro. É antes o de tentar mostrar a estas pessoas que o importante não é resultado do toque, mas antes o mecanismo através do qual é exacerbada a vontade de uma expressão, precisamente aquando e durante esse mesmo toque, não meu, mas o deles, qual grupo de reis e rainhas Midas, armados e adornados de vontades colossais.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Diário de bordo #8 - 09-01-2017 O elogio ao campino



Uma das aluna terminou a sua tela. Pintara um capino, montado no seu cavalo.
O processo, todavia, adornara-se de alguns solavancos.
Para ser totalmente honesto, momentos houve em que achei que ela fosse desistir. Já no desenho se havia confrontado com essa mesmíssima vontade, tendo-a verbalizado a mim e a uma das terapeutas que acompanham o projecto. Não nego que me foi difícil tentar dissuadi-la a não o fazer, reconheço a minha ainda gritante inexperiência no que toca a lidar com este tipo de dificuldades, sejam elas adjacentes ao outros ou a mim próprio.
A verdade é que, seja ela justificada pelas minhas reconhecidamente negligentes tentativas de a convencer a continuar, seja pela vontade intrínseca da aluna, seja pela força de terceiros cuja existência desconheço, ou por profissionais que a auxiliam no seu tratamento. ou ainda por uma outra qualquer razão que desconheço, no fim, a alavanca da persistência fora activada, qual mecanismo mental de perseverança indecifrável.
Foi nesta aula, posterior à tal em que ela havia finalizado a pintura, que a aluna surgiu com uma questão, justificada por uma observação que lhe fora feita fora das aulas.
Tomemos a liberdade de a tratar por MJ, "aluna" acaba por ser sempre uma formalidade que a mim me enerva um pouco, um pouco como no geral as formalidades tendem a despertar esse meu lado mais repulso. Ora, MJ afirmara que já inúmeras pessoas a haviam confrontado com uma ou mais observações em relação ao seu trabalho do campino, que concluiu na aula anterior. De uma forma geral, essas mesmas observações eram baseadas na ideia de que o mesmo estava explendido, que se pudessem, o comprariam. A expressão da MJ foi, se bem me recordo, foi a de que "muita gente" o tinha dito, dando portanto a entender que tinha sido visto já por um vasto leque de público.
Vinha radiante, sorridente, luminosa de uma maneira como nunca a tinha visto, muito embora ainda há pouco mais de um mês a tivesse conhecido.
Pois bem, a tal questão que afirmei existir, e que ela me colocou, estando a mesma inerente a esses elogios proferidos, era muito simples: onde tinham essas pessoas visto o quadro, para poderem ter feito esses comentários, se a tela do campino não se tinha movido um centímetro do lugar onde tinha sido deixado quando terminada?
A hipótese das redes sociais era a mais evidente. O que MJ queria, no fundo, era saber como chegar a esse tal lugar, onde estaria uma reprodução digital da obra, para que a pudesse mostrar à sua filha. Uma nobre ideia, que tenho a certeza que poderia aumentar ainda mais o tal radioso e guloso sorriso que ela ostentou durante toda a aula. Peguei no meu pc, investiguei a página do facebook do projecto, e, após tentar, na minha posição de leigo electrotécnico, de infoexcluido quase, posição um tanto ou quanto duvidosa, portanto, no que toca a obter resultados positivos neste tipo de demandas virtuais, falhei miseravelmente. Não havia em nenhuma das foto a reprodução virtual do quadro do campino. Apenas numa delas, um tanto ou quanto desfocada, devo assumi-lo, se podia vislumbrar os resquícios dos ainda primeiros esboços da mesma.
Que faria eu? Sentia que devia a MJ a obtenção desse tal link. Um link diferente, porque não se dirigia a abrir um site, um artigo, uma foto, mas antes um sentimento de felicidade. O da partilha, com aqueles que amamos. É lugar comum citarmos de forma leviana a tal frase de Chritopher Mccandless ("Into the Wild") "happiness is only real when shared". É ridículo extrapolar esta ideia, mas a verdade é que ME senti uma espécie de Christopher Mccandless, no leito da sua morte, quase desesperado por perceber que a solidão é um contraste à felicidade. Mais ridículo era ainda o facto de que, objectivamente, esta incapacidade derivava da constatação ridícula de uma inexistência de um sitio onde pudesse encontrar a fonte dos tais elogios à MJ.
E claro, na minha incapacidade argumentativa, que embora melhorada com o crescer deste projecto e do contracto com os meus alunos, ainda assim, uma incapacidade, acabei por não conseguir encontrar forma de lhe justificar a inexistência da foto do campino. Dei-lhe o link da página do projecto, que como já tinha visto não tinha qualquer foto do quadro, qual cobarde da retórica, de forma a descartar a minha responsabilidade, tentando ganhar algum tempo para solucionar o problema. Nós, humanos, pelo pouco ainda que me apercebi da nossa natureza, tendemos a colocar a sujidade debaixo do tapete, não assumindo as nossas responsabilidade perante os outros. Foi nesse miserável estado que me senti no final da aula. O tal sentimento de limpar as mãos da poeira foi tão efémero quanto ridículo.
No fundo, trata-se de uma confissão, que poucas vezes fazemos. Mesmo que por bons motivos, por vezes somos ridiculamente cobardes, particularmente quando pensamos que os outros poderão julgar a nossa, as nossas, eventuais falhas, os nossos eventuais defeitos.
Espero, contudo, que com tempo, que com este projecto, que com o contacto com estas pessoas possa vir a suplantar esse meu lado prosaico.
E continua a ser um mistério para mim onde raio poderá existir a fonte para o aparecimento dos elogios ao campino. Se não a encontrar nos próximos dias, e em jeito de redenção, tratarei de criar eu uma.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Diário de Bordo #7 -05-01-2017 - A Grelha



Há um artificio auxiliar da pintura, a grelha, uma divisão prévia em quadrados, que tem o intuito de facilitar o desenho base, quando assim é entendido por parte do artista.
Há duas formas de encarar este procedimento.
Uma aprendizagem passageira.
Uma prisão.
A ideia de prisão vem mais tardiamente. Aliás, é posterior ao conceito de aprendizagem. Ou seja, o que primeiro passa por algo que auxilia, acaba por se transformar em algo sem o qual não conseguimos agir, a tal prisão, onde acabamos por nos enclausurar. Portanto, todos os que tomam conhecimento de, e aplicam esta grelha, começam por encarar como um processo auxiliar como algo libertador, no sentido em que sustenta os primeiros passos em algo que até então desconheciam, que tinham pouco contacto. No entanto, há quem, com o tempo, tome o gosto transfigurando uma passagem  num vicio que dificilmente se larga.
Tenho vindo a aperceber-me desta ideia, a de o apego ser adjacente a algo que tomamos à priori como sendo bom e efémero. Por inúmeras e tão diferentes situações que vejo e presencio. É como se o ser humano apresentasse já na tábua de nascença uma predisposição para o conforto do hábito. Assim como um artista que se funde e coabita num único estilo que cria e usufrui de forma permanente e continua, ou um ladrão que não consegue parar de roubar, ou um futebolista que se habitua a marcar penaltis de uma determinada forma, não conseguindo evitar chutar sempre para o mesmo lado. Isto leva a que dificilmente o publico se surpreenda com o trabalho futuro desse tal artista, ou que as pessoas que sempre que passem perto do ladrão não evitem esconder os objectos pessoais, por medo que ele os roube, e ainda que o guarda redes adivinhe sempre o mesmo lado para onde o futebolista vai atirar. Ou seja, também os outros adquirem o hábito que é a consequência de um outro hábito. Portanto, e não querendo descobrir a lei universal que rege a nossa existência e a nossa forma de agir, até porque seria ignorância assumir que tal é uma realidade, até porque aquilo que escrevo é um dado adquirido, reflexivo, mas adquirido. Os hábitos condicionam afirmativamente o aparecimento de outros hábitos, seja pelo julgamento alheio, ou pelo simples facto de adquirirmos mecanismos quase robóticos, mecânicos, activados de forma automática.
Pegando nisso mesmo, no automatismo inerente ao hábito, é estranho constatar que a nossa evolução é tão contraditória no que a esse factor diz respeito. O homem avança, evolui, porque contraria a sua habituação à sua própria existência, e a tudo o que isso implica. A Terra de plana, passa a redonda. Os corpos mortos foram abertos e dissecados numa altura em que tal implicava cometer um crime, quando o lugar dos mesmos era o de bem enterrados, debaixo da terra. Quando os mares eram considerados os caminhos directos para o abismo, houve aqueles que ousaram atravessá-los, contrariando religiões amplamente e fortemente instaladas e consideradas como verdades absolutas. E quando a lua parecia um lugar tão surreal de tocar como o mundo das maravilhas de Alice e de Lewis Carrol, pés humanos calçados em botas astronautas só não foram ouvidos tocar o solo desse corpo espacial noctívago nas gravações realizadas ela NASA porque esse dito corpo não tem atmosfera por onde o som se propague.
No fundo, é contrariando essa nossa tendência, a de estabilizarmos aquilo que fazemos e aquilo que pensamos naquilo que somos, na determinação de contrariar uma propensão para a estabilização que surge o passo seguinte. É da quebra que surge o avanço.
Isto tudo para dizer que os meus alunos começaram a usar a grelha, por sugestão minha, de forma a os ajudar para outros voos, pois hoje foi a primeira aula de pintura, para muitos a primeira vez que contactaram com a sublimidade da tela em branco.
Espero que não se prendam nas linhas pretas dos quadrados planos. Lutarei para que não o façam.

domingo, 30 de abril de 2017

Diário de Bordo #6 -03-01-2017 - O Muro e a Pedra

Recuo. Procura uma referência literária ou cinematográfica que embeleze o inicio deste texto, mas não a encontro. Prefiro desprender-me desses adornos e focar-me na natureza da consciência humana.
Escrevo este diário de bordo já dias, semanas até, depois de ter acontecido. Nesse dia, deparo-me com a crueza da realidade de duas das minhas alunas quererem desistir. Embora obstáculos tenham surgido, em relação a alguns dos exercícios, ou mesmo a algumas das técnicas que lhes mostrei, o confronto verbal, este em particular, quando adornado da mensagem que elas me transmitiram, é sempre um choque de uma violência tremenda. Há um calor incómodo, pesado, que se instala no peito, não na nuca, no peito. Isto faz-me pensar que por vezes a abstracção e a apatia poderiam comandar a nossa acção e tornarem-se em mecanismos de defesa. E acredito piamente que há quem consiga ter a sorte de usufruir dessa ferramenta de emancipação da dor. No meu caso, no entanto, tal nunca se verificou, muito menos nesta situação.
Foto de João Maria Ferreira.Fiquei a aula a remoer, como diz a minha avó, a remoer nessa ferida aberta por um desabafo que sendo honesto o é no seu sentido meio vazio do copo. É assim que as adversidades surgem, sem aviso prévio, como se de um corpo gigante, que não se importa de estalar o chão sobre o qual caminha, de forma desengonçada e pesada, se tratasse.
Sai de rastos da aula. Havia sofrido a primeira pancada verdadeira neste projecto. Seria mentira se dissesse que nas horas seguintes tinha tudo corrido de forma normal, não, a verdade é que o meu estado de espírito normalizado foi descontinuado. Roubando outra expressão da minha querida avó, andei a bater com a testa na parede, já depois de fazer ferida, mas decidi-me. Decidi que não ia deixar que a tal adversidade desengonçada levasse a melhor. De tudo faria para que as duas alunas continuassem. E se no fim esse esforço fosse insuficiente, jurei para mim que o conservaria na tal gaveta que guarda os esforços que estando ligados ao insucesso se apresentavam como insuperáveis, nada poderia ser feio para que os mesmos fossem superiores. Daria, portanto, o meu melhor para que elas continuassem.
Estamos tão certos de que as etapas mais negativas são tão poucas que nunca nos habituamos às mesmas. É como aquela velha história do ser humano se adaptar a tudo o que lhe dão, quando uma coisa má começa a surgir com mais frequência passa a ser encarada como normal. Haverá sempre algo pior, A questão é precisamente quando esse pior surge. Surge tão pouco que quando surge é com um apetite e força vorazes. São muros. Mas serão escalados, e se o  forem, serão inevitavelmente em companhia, sozinhos são intransponíveis.
No caso do meu, o que acima surgiu, terá de ser feito a três. Uma expedição e um jovem imberbe e duas senhoras convictas de que esse mesmo jovem não as conseguirá ajudar.
Que me dizem minhas senhoras? Subir o tal muro aparentemente intransponível?
Sisifo subia levando a pedra, que repetidamente rolava encosta abaixo, e que o mesmo Sísifo voltava a empurrar. Era um cume que ele atingia eternamente, se virmos a situação de um outro prisma. Não será, portanto, esse o truque? Atingir o mesmo cume de forma eterna e convicta?

sábado, 11 de março de 2017

Diário de Bordo #6 -22-12-2016 - Toulouse-Lautrec e as três mademoiselles portuguesas



Andava a passar olho por um livro com fotografias de pinturas do Toulouse-Lautrec, o tão infame triperna francês, um dos que se predispôs e teve a audácia de, e a bom tempo o fez, tentar pintar a alma da mulher. Não há muitos que na minha humilde forma de encarar isto da Arte tenham conseguido com pinceladas a óleo e riscos a pastel captar essa essência, esse mistério e enigma que é o sexo feminino.
Foi do ambiente da Paris em que Toulouse deambulava, dos bares e dos cabarés, das cores e, precisamente, das mulheres, que me veio há mente, essa atmosfera interligando-a à aula de hoje, mais especificamente a três das alunas. Essa atmosfera não deve ser encarada como uma série de elementos autónomos, mas antes como um ecossistema efervescente de uma massa rica e amorfa.
Imagine-se que numa máquina que voa de, e no tempo, nos deslocamos e temos a sorte de nos podermos passear pela zona de Montparnasse da Paris francesa dos anos 30, na década de ouro dos cabarés e das mulheres que poderosamente ostentavam acessórios extravagantes, vestidos incandescentes, mas sobretudo as tais que se notabilizavam por ter uma forma de estar e de sentir libertadora e poderosa, ainda que subtilmente atenuada pelos pintores impressionistas, que bêbados deambulavam de forma alternada entre as ruas escuras e as salas extravagantes dos inúmeros bares. A tal massa amorfa.
Agora imaginem que três dessas poderosas e sofisticadas senhoras, que com lenços e penas decidiam pois apanhar boleia nessa nossa máquina do tempo e acompanham-nos ao nosso presente, o tal que uns apelidam de uma transição momentânea de momentos, passando a redundância. E imagine-se que essas três senhoras, por obra do acaso e de uma misteriosa vontade, decidem entrar no atelier de pintura do convento de São Francisco, precisamente o tal onde se encontra a caverna da andorinha. E decidem fazê-lo com uma graciosidade tal que ainda me pergunto como não planaram ao invés de pisarem o solo da primeira vez que as vi entrarem.
Falo pois da Manuela, da Madalena e da Carla. Três senhoras que apesar de bem portuguesas ostentam o tal je ne sequois muito próprio de uma Paris que se transfigurou desde esses intensos anos de liberdade e de descoberta da mesma.
São três gatos persas. São três ladies, no seu sentido mais tácito, o tal de sentido silencioso, mas simultaneamente imperial.
Ainda que as agrupe desta forma, nesta categoria, elas são, na verdade, três pessoas categoricamente diferentes.
A Madalena é doce, insegura e sorridente. Mas a sua é uma insegurança charmosa, não das que nos afastam, mas antes das que nos puxam de forma a confortá-la, acariciando tudo aquilo que aparentemente parece ser demasiado leve para se suster por si só.
A Manuela tem um olhar profundo, quase que podemos cheirar e tactear a sua alma possante. É portanto uma mulher que já usufruiu inúmeras vezes da sua força, conseguindo simultaneamente emanar uma calma e um cuidado humano muito próprios, que são, acima de tudo, reconfortantes.
Já a Carla é de uma alegria muito natural, ainda assim, também muito pontual. Quando ri e sorri afecta todo e qualquer centímetro quadrado da sala. Não sabendo muito bem porquê, o seu bom dia é sempre adornado de uma peculiaridade encantadora, que me aquece a mim e aos alunos.
É bem verdade um outro ponto. Estas três senhoras terão inevitavelmente sofrido a sua quota parte. Lado a lado com as impressões enumeradas, há sempre uma pequena centelha de solidão . A bem ver, todos nós a temos, só nos apercebemos que os outros também a têm quando começamos a empatizar com eles de forma honesta. Acho que é portanto um dos papéis desta coisa que é a Arte fazer dessa solidão um local de desconforto confortável. Um pouco como acontece com os artistas, criando o acto de isolamento, uma espécie de casulo onde a tal lagarta se metamorfoseia em uma outra coisa, tal como o Toulouse-Lautrec. que exorcizou défice que ostentava o tamanho físico, a sua dificuldade em se relacionar com o corpo da mulher, numa selvajaria brilhante no confronto que tinha constantemente com a tela em branco, na sua solidão também ela selvática.
Esta foi a última aula do ano. O semestre ainda nem a meio chegou e já sinto que entrei num Universo paralelo, lá está, num casulo onde aprendo e me transfiguro de forma crescente. Para tal, contribuem, acima de tudo, pessoas como estas três senhoras, a Manuela, a Madalena e a Carla, que me relembram que há formas de estar na vida que podem ser intemporais, sem que percam a magia da sua unicidade. E agora que falo no Lautrec, o tal pintor que se agigantou, e depois de toda esta atmosfera, deu-me a vontade de ouvir uma outra figura que mesmo sendo tão pequena não teve medo de saltar para tentar tocar nas estrelas.
Uma tal de Edith Piaf, estão recordados?

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Diário de Bordo #5 - 19-12-2016 -A metafísica da ausência de cor


 Terminei à minutos uma pintura. É de madrugada, sentei-me no sofá para a contemplar. Cliché dos Clichés, pus "The dark side of the moon", dos Pink Floyd, a tocar. Isto porque na minha singela opinião, uma verdadeira contemplação, seja de um quadro, de uma mulher bonita, de uma noite sem nuvens, só atinge o seu auge ao som da melancolia destes tipos que eu anda não sei bem como foram aterrar neste planeta, através daqueles longos solos sem voz, quase a fazer lembrar as viagens espaciais na primeira pessoa que podemos ver em filmes como o "2001: Odisseia no espaço", "Star Trek", ente inúmeros outros dos áureos anos em que a ficção científica era uma espécie de incentivo a sonhar (não vivi esses tempos mas devem ter sido porreiros).
Ora, mas voltando a esse meu momento contemplativo, aquando do mesmo, veio à instrumentalização do meu pensamento uma conversa que tive com o André Rosa, um dos meus alunos, na aula desta manhã. Foi a primeira com pastel de óleo, a primeira em que usamos a cor. Portanto, eu decidi introduzir de forma muito sintética alguma da teoria ligada às questões cromáticas, coisas simples, noções básicas.
A certa altura, falo da cor preta, ou melhor, falo da inexistência da cor preta, o que para alguns alunos foi uma estranha forma de caracterizá-la. Ao passo que o branco é a junção de todas as cores, o preto, ou melhor, a condição do preto é precisamente a ausência de qualquer tipo de cor. Claro que esta definição ultrapassa um pouco a explicação básica da questão cromática, eu poderia simplesmente dizer que o preto é mais uma cor, "Está aqui neste tubo, como podem ver", "deve ser usada com precaução pois absorve o olhar da pessoa ao observar e contemplar um quadro". Mas eu decidi arriscar e ir um pouco mais além na definição para poder ver qual seria a reacção da turma.
Não recordo exactamente quais foram as palavras, sei que numa troca de ideias, curta, com  o André, surge em cima da mesa a ideia de que o vazio, essa ausência de cor, é um conceito que nos, Humanos, não compreendemos, ou seja, há determinados aspectos que nos são de tal forma abstractos que temos uma necessidade de nos afastar deles. Talvez por receio, talvez por medo de nunca os conseguirmos entender, enfim, eu apesar de querer ter continuado a trocar ideias com ele em relação ao assunto não o fiz porque tinha medo que a conversa de prolongasse demasiado, e entrasse em questões que depois não poderíamos evitar fugir, e precisava de encurtar o meu discurso pois já o tinha alongado demasiado. Disse ao André´, meio a sorrir, que decerto, entrando por vias mais metafisicas, iríamos ter "pano para mangas" no que troca a uma troca de impressões, seria uma conversa que poderíamos retomar mais tarde.
É curioso que o André é um tanto ou quanto reservado. No entanto, de todas as vezes que falo com ele ou que tento imaginar o que ele possa estar a pensar, há algo tremendamente intrigante que desperta a minha vontade em poder debater mais vezes ideias e temas com ele. Segunda a minha forma de encarar isto do que é a nossa efémera existência, há pessoas que "sabem um pouco mais que o comum dos mortais", às vezes não sendo preciso que digam nada, reformulando, a maioria das vezes não precisando de dizer nada. E ele é definitivamente uma dessas pessoas.
No entanto, ao lembrar-me desse tal conceito de ausência de cor, veio-me à memória um outro episódio, dessa mesma aula.
A Antónia, Lança de apelido, é uma das alunas mais entusiastas, mais cheias de vida. Fazendo um paralelismo a esta introdução cromática, um dos focos desta crónica, os poros da pele dela parecem tubos de tinta sem tampa, cada um de uma cor única. Nesta aula ela trouxe-me, cheia de orgulho e alegria, um exemplar do jornal "O Mirante", no qual estava publicada uma entrevista que ela tinha dado. Deixo aqui o link para quem quiser ver (aconselho vivamente a que o façam)

http://omirante.pt/semanario/2016-11-17/aniversario/2016-11-16-Considero-me-uma-guerreira--ou-nao-tivesse-Lanca-no-nome

Não querendo entrar em detalhes da vida pessoal dela, particularmente de situações que ela ainda hoje vive, a Antónia já atravessou inúmeras barreiras, desafios, coisas que isoladas deitariam abaixo o comum dos mortais, coisas que se forem propostas a alguém são de imediato descartadas pelo medo e pela falta de coragem. Ela, no entanto, enfrenta e agarra cada pequena oferta que lhe dão com uma força e uma capacidade de se entranhar no lado positivo da mesma de uma forma que eu nunca tinha visto. `É um privilégio supremo poder partilhar um espaço com ela, ter uma conversa com ela, ouvir um dos poemas que ela sabe de memória, mais ainda poder mostrar-lhe algo que ela desconhecia, a pintura, e que lhe tem um prazer tremendo.
Essas dificuldades que ela enfrentou e enfrenta, para algumas pessoas são encaradas como uma manifestação real do conceito metafisico e abstracto do vazio. Acabam por ser engolida, pelo mesmo. Começam a odiar a cor, começam a encarar o negro como o único caminho. A Antónia teve a suprema capacidade de ignorar qualquer tipo de metafisicismo à volta disso. O preto, para ela, é só mais uma cor. Uma que se usa menos porque estraga a pintura (concelho que retenho desde as belas artes). A vida da Antónia, na realidade, está carregada de cor que ela própria vai aplicando diariamente, em doses seguramente elevadas (ah e com eu gosto de textura na pintura). Conheço muito poucas pessoas que dominem tão bem a roda cromática como ela. Nesse ponto, tem sido ela a professora, e eu o aluno.
E da próxima vez que eu e o André debatermos de forma mais prolongada o contexto metafísico do vazio, vou introduzir nesse mesmo debate este exemplo. Acho que é um bom ponto de partida. Até podia ser um título para um artigo publicado numa revista científica de física quântica. Ora vejam lá:
"Antónia Lança, a mulher que desafia fisicos, astrofisicos e filósofos quando lhes diz que o conceito de ausência de cor, do tal vazio, é (imaginando a voz dela a proferir estas últimas palavras) "uma grandessíssima treta".

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Diário de Bordo #4 - 15-12-2016 - A Bilha de Carvão




Este foi um dia de experimentação. O carvão é um material curioso. De figura tosca, quase bruta, aparentando troncos de árvores sub desenvolvidos, zangados por terem sido decepados, negros. No entanto, contestando toda esse preconceito, este material é de uma enorme sensibilidade.
Tal pode bem ser comprovado no seu uso. O riscar é tão suave que o som é quase inexistente, e o traço, ao contrario da rigidez do lápis, quase que parece desprender-se do papel. De tal forma que é necessário fixá-lo com um outro produto.
Muitos dos alunos ainda não tinham experimentado este material, a maioria gostou, a maioria estranhou.
O carvão está algo cheio de contrariedades, a tal rudeza em oposição leveza, que acima referi, mas também o facto de não poder ser apagado com uma borracha convencional, sendo que precisa obrigatoriamente de ser fixado, de forma a que não fuja, quebra-se com enorme facilidade, mas ainda assim luta com todas as forças para não desaparecer.
Todas estas especificidades técnicas são interessante, bem como o são as reacções de pessoas que nunca o usaram e o fizeram pela primeira vez.
No entanto, o que pretendo reforçar nesta crónica trata um caso muito particular. O desenho que coloquei no principio mostra duas tentativas de desenhar uma peça, no caso particular, uma bilha de leite.
O senhor Hermínio, o autor deste desenho, é o aluno com mais idade do grupo. Confidenciou-me que não sabe ler, conseguindo ainda assim assinar o seu nome. Mais que isso, nunca na vida havia desenhado. Foi portanto com normalidade que encarei o facto de nas primeira aulas, nos primeiros exercícios, ele mal tocar num lápis e muito menos usar o mesmo para rabiscar. No entanto, eu sabia, sem saber muito bem justificá-lo, que ele iria conseguir, o dia ia chegar em que esse medo fosse suplantado pela vontade.
Foi no carvão, com este desenho, o tal que acima postei, que tive a prova disso.
Não pretendo analisar a qualidade do desenho, de longe. É evidente, está muito pequeno, demasiado, em comparação com o tamanho da folha, está cheio de hesitações, tanto a primeira como a segunda tentativa, as linhas não estão direitas, seguramente muito pouca gente avaliaria este objecto como sendo uma bilha. Mas isso é totalmente desprezível. o importante para mim aqui foi o erro. O assumir do erro, e o voltar a tentar, a existência de uma segunda tentativa, sabendo que a primeira não poderia nunca ser eliminada.
Reparem, para quem nunca havia desenhado numa vida de mais de 80 anos, chegar a uma quarta aula, dada por um miúdo, ter a coragem de usar um material novo, assumindo na própria folha o erro e a respectiva tentativa de o emendar, assumir que ao fim de uma vida inteira havia ainda hipótese de mostrar que há coisas que não aprendeu, assumindo-o, perante outras pessoas que mal conhece, perante o tal miúdo que felizmente sou eu, para mim este é um dos maiores actos de valentia e bravura que já tive a oportunidade de presenciar, e caramba, ainda bem que o pude presenciar.
Poderia a partir daqui tentar moralizar toda a situação e o que ela representa. No entanto, prefiro  assumir o meu próprio analfabetismo momentâneo, não há muito mais que possa, aliás, que consiga acrescentar. Tudo o que disse foi, a meu ver, mais que suficiente para enobrecer o acto do senhor Hermínio que só por si não precisa de muitos mais adjectivos que o adornem.
Começo a questionar-me quem realmente está a aprender neste projecto, os alunos ou o professor.
Ah, e a mim, parece-me, muito sinceramente, uma bilha.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Diário de Bordo #3 - 12-12-2016 - O regador de cérebros

Este é um post sui generis. Muito mais curto do que os (ainda poucos) anteriores e porventura dos vindouros.
O André, um dos alunos que mais entusiasmo tem demonstrado, para além de uma tremenda alegria em todo e qualquer rabisco que faz, confessou-me que já em casa, desde há anos que de quando a quando desenha, não sendo por acaso o facto ter estudado arquitectura. Adorei os trabalhos que me trouxe, mas um houve em particular que me deixou sem reacção.
 Infelizmente não tive oportunidade de o fotografar, mas a ideia por detrás do desenho era tão forte que não tinha como esquecer-me da mesma. Assim, eu próprio o reproduzi, evidentemente não se comparando ao original, no entanto, o que vos peço é que olhem para o conceito, a ideia, simples, e poderosíssima, que está por detrás desta obra..
(espero em breve conseguir fotografar o original, está bem melhor que o meu, mas atentem sobretudo ao conteúdo, que não é meu, é do André)