quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Diário de bordo #10 - 16-01-2017 Colagens e loucos da noite



Escrevo já perto do fim. Na hora que este texto toma a sua forma, falta somente uma aula para terminar esta minha aventura de um ano no projecto “Incluir”. Não sei até quando continuarei estas incursões pelos diários de bordo dentro da caverna, e afirmo com certeza  que os próximos serão diametralmente diferentes por nascerem numa fase posterior ao fim. O que serão, não sei.
Para já, este é uma colagem. De uma série de eventos, adjacentes à hora de relógio em que ocorreram, adjacentes ao prazer de os ter tido.

  • 08:52 - Entro no café, com a minha mãe. É ela que me dá boleia de casa, da aldeia, até à cidade, ao convento. A viagem foi desprovida de diálogo. No dia anterior, houve uma discussão que fomentou o tão conhecido “tratamento silencioso da progenitora”. Dela, apenas o som de três palavras, já dentro do café,  “é o habitual” adornadas de uma interrogação “?”. A minha voz,  exteriorizou somente um “sim” seguidas de reticências (“...”) silenciosas.
  • 09:35 - Chego atrasado. Os alunos esperam-me no corredor do convento. Está frio, a maioria está agasalhado. O Fernando, enérgico como habitualmente, percorre o corredor de um lado ao outro. Cumprimento-os uma a um, com um aperto de mão. Até às minhas alunas o faço. O que para mim é estranho, pois normalmente, quando são mulheres portuguesas de sangue quente, tomo-as por dois beijos no rosto. Já as nórdicas, pelo menos nos primeiros contatos, não o fazem. Trata-se de um factor cultural, penso eu Mas não se impondo esse fator cultural no que toca à  condição de mulheres portuguesas, latinas, das minhas alunas, o que impede, então, essa maior proximidade? Será uma mera formalidade que inconscientemente impus a mim próprio? Ou um mero despejo de uma luta interior entre a emoção e arazão?
  • 10:47 - Dois dos alunos chegam atrasados do intervalo, supostamente de 10 minutos. Já é uma prática a que ambos recorrem frequentemente. A enfermeira dá-lhe um raspanete. Um dos dois, o André, conta-me depois que nos tempos em que estudava História, na faculdade, saía com vontade de entrar no desconhecido da noite, com vontade em se mostrar aos loucos que a habitavam, de tentar perceber se esse era realmente um universo alternativo, onde quem nele mergulhasse se transfigurava. Imaginei o André, durante os minutos de  intervalo que teve a mais, a percorrer essa construção mental, a mesma que eu próprio muitas vezes ansiei, e ainda frequentemente anseio, conseguir percorrer. E não evito o sorriso escondido no canto da minha boca, de quem entende o quão bom é adiar ou mesmo descartar um compromisso.
  • 12:09 - Chego à paragem de autocarros, tenho 6 minutos para comprar o bilhete para Lisboa. Tenho a sorte de na fila nunca estarem mais de duas pessoa. A senhora por detrás da vitrine, a vender os bilhetes, é a mesma de sempre. Raramente me dá os bons dias, e raramente me olha nos olhos. Muitas vezes fala com uma outra senhora que se encontra por detrás de outra vitrine, enquanto procura no programa informático da rede de autocarros pelo autocarro ao meio dia e um quarto que vá para o Campo Grande. e cujo bilhete me passa e vende. Assim que o compro, dirijo-me para  ao expresso. Não consigo mais uma vez evitar um esgar num dos cantos da minha boca, um esgar de saudade, por saber que eventualmente este pedaço da minha rotina vai cessar, deixarei de ver e cumrimentar a senhra que me vende bilhetes de todas as vezes que vou para lisboa, ainda que ela raramente me dirija o olhar ou sequer fale para mim.  
  • 12:43 - Na auto estrada, paro de ler, o sono arranha, e nem os três cafés que bebi nessa manhã o acalmam, nem tão pouco fazem esquecer a lembrança da existência da  minha veia notívaga, a mesma que me impediu de adormecer na noite anterior antes das três da manhã. Às vezes é um raio de uma mania de merda, esta de sonhar acordado, a de ter saudades das pequenas coisas. No fundo são elas que nos tiram o sono...

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