quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Diário de bordo - o regresso


O banco do autocarro sem ar condicionado queimava as costas que a camisa de inverno cobria com a sofreguidão da contradição, infinitas vezes avisada pela mãe, de estar a ser erradamente usada durante o verão. O sol amarelo, que adorna o início das tardes de fim de Agosto, anunciava sem precisar de falar a sua presença, a de um corpo celeste, uma estrela finita que no tempo que tem de vida não hesita em recordar ao frágil homem a sua força.
O sono, esse, acompanhando o silêncio da estrela maior, pesava mais no corpo, que caído num banho de suor meloso, se digladiava entre a vontade em se manter hirto e a queda abrupta na escuridão. A aula permanecia no limbo que habitava a fronteira entre os dois.
Os sapatos rosa com laçarotes de veludo entraram na sala. Quebraram a ânsia de perceber se a Maria voltaria ao curso. Felizmente, assim foi, e as vozes, boas e más, haveriam de ser uma vez mais colocadas no seu devido lugar.
O reencontro é uma de duas formas que adornam a surpresa, desta feita, uma que acaba sempre por nos ser familiar, ao contrário da outra, que implica a singularidade da novidade.
Todavia, quando o reencontro deixa de ser surpresa, ele passa a ser banal. Um pouco como as campanhas do regresso às aulas, que se entranham na felicidade das férias e relembram aos putos que mais um ano virá, e que a efemeridade é uma constante incontrariável. O sol pode ser quente e gordo mas acaba sempre por desaparecer para depois voltar.
O mesmo sentimento ocorre ao sabermos antecipadamente, numa escolha racional, que vamos ver a mulher que amamos naquele sitio, naquele instante, quando já repetimos infinitas vezes num loop mental o beijo que lhe damos e o toque que dela recebemos. Tal passa a ser, embora genuinamente bom, a mera conclusão dessa ânsia, ao passo que a surpresa de a avistarmos sem que tal fosse anunciado é a tal chama ardente que tantos loucos falaram e tentaram, sem nunca o conseguirem, descrever, pois é uma impossibilidade outra coisa senão o sentir.
Isto tudo para dizer que o Incluir está de volta e que estou feliz de poder mais uma vez ter sono e vestir camisas quentes na altura do ano em que as mesmas deviam envolver traças e pó de armário. E os diários de bordo estão definitivamente, com a surpresa da familiaridade do regresso, de volta. 

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