sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Diário de Bordo #2 - 5-12-2016 - Os galhos da Caverna


Qualquer ninho toma a sua forma a partir de galhos.
Os nossos são os cavaletes, os lápis, as folhas, as borrachas, os cigarros e os cafés no intervalo, as idas à casa de banho, a senhora da recepção do convento, que faz lembrar aqueles pequenos duendes dos inúmeros filmes de fantasia que há meia dúzia de anos representavam "O" vírus enraizado na cultura infanto-juvenil ocidental, os tais duendes anafados, de olhos dormentes fechados, dentes pequenos, sorriso fácil, mas sobretudo o tal andar simultaneamente pesado e silencioso, que não costumamos ver em pessoas mas sim em elfos ou fadas.
Há tanta coisa por onde pegar, por onde poderia pegar, um misto de pequenos novelos que me atrofiam inúmeras partes do corpo, mas que demarcam mais intensamente a região abdominal, o tal nervosismo se quisermos ser mais simplistas no que toca a retórica. Mas prefiro não entrar para já por ai, ainda estou a processar esses ditos novelos, tenho medo que se os tentar já desenrolar faça um mau trabalho e os torne numa coisa menor do que aquilo que aspiro para os mesmos.
Levei aos meus alunos exercícios de linha, formas geométricas, falei-lhes de como se pode "limpar" o traço, expressão que os intrigou de sobremaneira, mas que julgo terem interiorizado. Evidentemente não são com estes exercícios que nascerão as primeiras obras primas, os primeiros passos, tal como acontece com qualquer ser vivo, são de aprendizagem e de treino, são essas tais memórias que servem de alicerces para o resto que depois virá. E é nessa fase que estamos.
Mas são os pequenos detalhes que recordo com mais avidez. O medo em traçar, a incerteza de se conseguir fazer, o sorriso de agradecimento por um mero reparo, cada vez mais tenho a ideia de que estas são pessoas que mais não precisam que aquilo que todos nós procuramos, um pequeno gesto que nos conforte e nos faça lembrar que por mais tosco que seja o nosso traço, é sempre possível cuidar dele, basta às vezes um empurrãozinho, avivar a tal chama que, como o Bukowsky fez questão de referir numa dos seus inúmeros textos, tantas vezes recusado por outras tantas editoras, deve ser mantida acesa, nem que seja através de uma misera fagulha, porque um dia mais tarde há sempre a hipótese de vermos um fogo a arder, uma enorme labareda, algo sublime portanto.
E não é extremamente curioso que o título do livro que reúne esses tais textos do Charles Bukowsky, os tais recusados, onde se inclui esse tal que refere o lado pirómano-sonhador do mesmo, se intitule de "Histórias da loucura normal"? Deveras curioso...

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