segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O Ninho da Andorinha

O que é isto da Caverna da Andorinha? Que dissonante título parvo é este, a fazer lembrar uma sopa oriental? Porquê caverna e não ninho? Porquê andorinha e não tucano, arara, periquito ou até mocho?
Tudo começou neste Verão. Através de um convite. As enfermeiras da ala psiquiátrica do Hospital de Santarém Carla e Teresa introduziram-me o e ao projecto. Este, de forma sucinta, cuja duração corresponderia a um ano, consistiria numa série oficinas de artes plásticas, no fundo aulas, simplificando o termo, aulas essas que incluiriam abordagens ao desenho, à pintura e ainda à escultura. Estas oficinas seriam frequentadas a um grupo de pessoas, na sua maioria doentes mentais, pessoas essas que estão portanto num processo de reintegração na sociedade, ajudados pela equipa de profissionais de saúde do Hospital.  Portanto, a premissa nuclear deste projecto predispõe-se ao auxílio a esses doentes na sua progressiva reintegração através da prática artística através do gosto e do aperfeiçoamento da mesma, sendo que outras questões a essa se acresceriam, nomeadamente uma tentativa  de suplantar ou até erradicar o preconceito que de forma generalizada é tido por muitos de nós em relação a pessoas que mais não têm que um doença e que portanto devem ser tratados e cuidados de acordo com esse seu estado, merecendo por parte da sociedade especiais cuidados não por serem menores que nós, ou diferentes, mas simplesmente porque, como referi, são pessoas que estando doentes têm o direito como qualquer pessoa a ver a sua saúde cuidada. E obviamente a reintegração dos mesmos na sociedade é um primeiro passo para tal efeito.
É evidente que a saúde mental é uma área incrivelmente complexa, e portanto exige um tipo de tratamento menos linear, mas uma coisa é imperativa no tratamento com e de qualquer paciente quer apresente problemas ligados à saúde mental ou à física e que se cinge de forma muito concreta a olharmos e a lidarmos com esse mesmo doente precisamente como se lida com qualquer outro ser humano pois os direitos e deveres são uniformes independentemente da raça, sexo ou condição mental.
Ora este projecto, para além desse grupo de doentes mentais, seria também constituído por pessoas que não sendo doentes mentais estariam também eles socialmente desintegrados, postos de parte.
Grupo feito, premissas lançadas, faltava então uma peça que completaria a equação, o professor.
E é portanto aí que eu entro.
O convite foi feito nessa mesma conversa de Verão, pela Carla e pela Teresa, eu seria a pessoa indicada para tal tarefa.
Ah, é importante ainda referir um ponto importante, que embora burocrático, seria determinante na concretização deste projecto. Este seria proposta a um concurso promovido pela EDP, entidade que se associa a projectos que, como este, se regem por aspectos socialmente relevantes e que portanto financiam, através desse tal concurso, os que se apresentem mais preponderantes no sentido de ajudarem determinados grupos de pessoas, e que apresentem ideias que possam chamar a atenção do que se apelida de comum dos mortais, a tal sociedade onde se pretende ajudar a reintegrar os grupos em causa.
De imediato me ocorreram tremendas sensações, ideias, pensamentos soltos e ate epifânicos, Mas aquilo que mais se entranhou foi um misto de um nervosismo quase regurgitante e de uma ansiedade possivelmente tão sufocante como exasperante.
Exprimi e propus algumas ideias, ainda no decorrer desse primeiro encontro, a Carla e a Teresa fizeram o mesmo, foi o primeiro brainstorming ainda antes de qualquer tipo de aprovação oficial desta iniciativa.
É portanto evidente que a minha resposta ao convite foi sim, que apesar de na minha ainda simbiótica idade de 24 anos anos, que balanceia entre o Peter Pan eterno e o adulto responsável, estava entusiasmadíssimo com tudo o que rodeava a ideia de poder dar aulas, ainda mais quando o desafio é deste calibre de responsabilidade acrescida, porque falamos de pessoas que muitas vezes dentro da sua fragilidade só pedem que lhes seja dado uma coisa tão simples, um pouco de atenção, um pouco de humanidade.
O projecto foi a concurso. Meses depois, veio a noticia. Foi aprovado, o financiamento estava garantido. A responsabilidade e a pressão, essas, tomaram a forma daqueles mármores pesados contra os quais os escultores renascentistas travavam batalhas épicas. Era portanto hora de tomar consciência de que seria a primeira vez que iria assumir uma tamanha responsabilidade, não só para comigo mas essencialmente perante aqueles que ali estavam a pedir auxílio.
Seria professor. Professor daquilo que me dá mais paixão, daquilo que alimenta os mecanismos da engrenagem que me faz andar, e tentaria de tudo mostrar-lhes que essa paixão por rabiscos pode tocar a todos, sobretudo ao que procuram um refúgio para a alma ás vezes tão fragmentada.
Este blog serve portanto o propósito de registar dia a dia as crónicas desta minha nova aventura. Sejam pequenos pormenores, sejam desenhos dos alunos, sejam situações caricatas, não me resta dúvida alguma que o crescimento humano que irei retirar desta odisseia é tremendo. Resta-me senão poder registá-lo, tentado pelas palavras poder passar nem que seja um grão daquilo que irei viver neste ninho.
A questão inicial mantém-se, porquê Caverna da andorinha?
Digamos que a nossa primeira visita foi essa peculiar ave, logo no primeiro registo cronológico, na primeira aula...

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